segunda-feira, 4 de maio de 2009

Bebi as águas



A saliva, salgada e sem azeite, umedecia as palavras que já não se permitiam aprisionar. Depois de beber o mar, o rancor ingerido precisava ser liberado, e, como a gota d’água trasbordante havia tocado o semblante, não pode contê-lo. O necessário deveria ser concretizado sob as ondas bravias. Palavras doces e amenas saiam de foco, a raiva estava em erupção. Lavas rastejavam diretamente proporcional a indignação, derretendo antigas armadilhas tautológicas de opressão, queimando açoites firmados no acordo burocrático.
Seria suspeito se fosse o movimento de um, mas eram de mais tantos outros sobreviventes da opressão, e eles aglutinavam-se. Ligados por um misto de inconformismo e dor aquele emaranhado de pessoas crescia em volume e extensão. As guardas, inimigos de outrora, incorporavam-se. À medida que percebiam a tolice de tentar conter aquele ímpeto transformador adensavam a mistura, que crescia. Crescia, crescia, como se estivesse sido preenchida por fermento. Crescia tal como a massa de bolo corretamente aquecida...
Derrubaram palanques, estátuas, as diferenças que obstaculizam a emancipação, e tudo mais que trouxesse a lembrança símbolos da submissão consentida. Estavam decididos, como se tivessem acordados em plenária, a solidez da ação. As formigas agiam sem palavras de comando, sem oratória. Agiam de dentro para fora, sem performances. A catarse, acionada pela ação individual, era coletiva, e apresentava a permanência daquele novo e continuo estado. Não havia divisor de águas porque as águas foram bebidas. Estavam abertos os portais da revolução permanente.