quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ao meu amor meus pensamentos


Sentada num canto qualquer de um café ela fumava um cigarro enquanto ainda se perdia na lembrança que insistentemente voltava. Á busca de conforto a consciência sublimava os acontecimentos tentando buscar entender os motivos que talvez justificasse a existência do amor. Ela queria se dispor do sentimento que a dominava, sem que seus sentimentos fossem controlados por outrem. Dizia a si que ele buscava reconhecer no domínio e na servidão uma convicção contrária a que procurava afirmar que é nisso que reside a felicidade da vida. Todavia, a “artesã” sabia que o “comerciante” esperava dela a subordinação de seus próprios sentidos à dominação da alma e estava bem convicta de que seria muito prazeroso se ele fizesse o mesmo. Acreditava que a libertação dos sentidos seria a possibilidade real de satisfação dos dois.

Era um caso comum, um rapaz esquizofrênico materialista e uma moça histérica abstrata que pressupunham ser a ausência de uma má consciência a possibilidade real de satisfação. Por algum motivo, mal justificado por suas virtudes sociais, em algum momento de suas vidas haviam se encontrado e, somente por isso, eram os indivíduos centrais do caso. É claro que não percebiam ser por hábito e obrigação dessa sociedade (que reifica tudo, inclusive as relações interpessoais) o impelimento à busca incessante na mesquinhez furtiva. A cultura já havia liberado eles do racionalismo, já havia introjetado neles a natureza que molda a seu modo todas as inclinações e forças da alma.

Os fatos de suas vidas “meio intelectual - meio esquerda” se desenrolavam no pátio de uma universidade (dita a melhor do país) e no interior de uma esquerda, na verdade, não menos decadente que a primeira. Ambas não exploravam a práxis enquanto elemento nuclear. É bem verdade que os dois não viviam um momento propício para que decisões autônomas tornassem o primeiro encontro numa relação fatídica. Mas, por outro lado, relações sinceramente aprazíveis não são previsíveis. Na ordem do dia, em suas agendas mal situadas entre o belo e o necessário, não havia espaço para satisfações de uma nova exigência de felicidade - algo comum no cotidiano de jovens que vivem intensamente suas “paixões”(amor e ódio, alegria e tristeza, ciúme, vergonha, arrependimento, gratidão etc.) como espírito da vida. Mas, mesmo assim, decidiram se conhecer melhor.

Ela costurava nas suas relações um traço decisivo para a afirmação de um mundo mais valioso, incondicionalmente confirmado e eternamente melhor para si e para os outros “a partir do interior”. Enquanto ele estabelecia suas relações no plano do imediato, sem que as qualidades e necessidades pessoais adquirissem relevância, tais como objetos de satisfações possíveis ou não. Em outras palavras, a igualdade abstrata entre eles se realizava no patamar de uma desigualdade concreta.

Sim, é relevante considerar que ele dispunha de um poder de compra superior ao dela, o que o colocava numa posição privilegiada, quando comparado a ela, para adquirir as mercadorias exigidas para assegurar sua felicidade. Porém, também é considerável destacar: à medida que ela pintava em seus tecido sociais o sofrimento e o lamento como eternas forças do mundo, negava a satisfação universal no mundo material, depositava os traços fundamentais de sua personalidade no ideal.

Uma situação verdadeira. A existências dos dois naquele encontro mal adornado confrontava uma injustificada resignação em face do cotidiano. Na busca de assunto, os dois situavam os indivíduos e a si mesmo acima das mediações sociais, confrontando-se como Deuses justificavam entre si um mundo a ser modificado por meio disso ou daquilo. Esquecendo-se que o mundo só poderia ser modificado quando as mediações sociais desaparecessem, na realização de um mundo totalmente outro; que a humanidade precisa ser conduzida para além de seu próprio idealismo.
Eles, somos nós dois, meu caro, não reconheciam quaisquer outros além deles mesmos e nem uma vida outra que não esta aqui. Investigavam o processo do conhecimento do mundo já reificado como se, assim, pudessem ir contra a volubilidade cotidiana, contra as imposições do realismo. Suas almas, profundas e delicadas, estavam equivocadas na luta por um futuro melhor para a humanidade.

O que aconteceu aos dois? No início juraram amor eterno, numa crença além do celestial, celebraram um amor além da alma. Assumindo o anseio pela constância da felicidade terrena buscavam a superação do fim. Foi depois de alguns meses sob acusações de traição e individualismo, que um direcionava ao outro, perceberam que a entrega gratificante da individualidade à solidariedade incondicional não mais se realizava, nem em um nem noutro e passaram a enxergarem-se através dos interesses individuais de forma independente e auto-suficiente.

Entre o “comerciante” e a “artesã”, o conflito de interesses havia “desgastado” a durabilidade duradoura, suas almas não escaparam a lei do valor, nem da reificação. A exigência da exlusividade individualista sob a aparência da fidelidade incondicional tornava obrigatória aos sentidos o que a alma era incapaz de oferecer: a indivisibilidade da pessoa. Possibilidade e realidade efetiva agora estavam de fato confrontadas. A harmonia inexistente entre a interioridade e a exterioridade revelava o perigo da tentativa de controle da racionalização e da felicidade.